terça-feira, 5 de maio de 2009
Fome de vida
Não quero planos. Eu quero é vida! A quero por desconfiar das insandecidas batalhas que se trava em nome daqueles. Os planos são definidos por simetria inalterável. Não os quero. Desejo a curva vital que sugere sempre um novo roteiro a seguir, sem pressa ou assombro.
Quais os seus planos agora?, me indagaria um ingénuo amigo ao considerar-me vencido em algum pleito. Lhe diria simplesmente nenhum. Quero apenas, sereno, sentir o frio na espinha, o travo amargo de minha própria saliva, conviver com minhas dores, dissabores, odores da mesma fonte que um dia exalou minha fragrância favorita.
Ao contrário do que possam pensar os pseudo leitores de alma, não estou imerso em depressão alguma, tampouco tomado pelo pessimismo. Reclamo o direito de não ceder ao apelo doentio dos que não enxergam correspondência entre a quietude e o movimento dinâmico de nossa caminhada existencial.
Por que correr atrás da vida, se, quando o fazemos, só o que conseguimos é perseguir o vento?;
qual o sentido da angustiante batalha diária que enfrentamos sintetizada na frase "matar uns inocentes leões por dia"?;
por que perpetuar o masoquismo de "correr atrás do prejuízo"?
Ao vento, cumpre deixá-lo seguir seu curso incerto; que os leões mitifiquem as savanas africanas em seu perpétuo reinado; e o prejuízo, quando comigo cruzar, que não lhe atribua eu proporções desmedidas.
Tal qual a poetisa Adélia, tudo o que não desejo é faca, muito menos queijo: "eu quero é fome". Fome por uma vida mais contemplativa, livre das amarras do desespero. Liberdade para errar ou acertar no interior de minha própria calma; ser absurdamente feliz com meus erros e traumas; encantado pelos estados de ignorância.
Eu quero a vida! Não a que se confunde com existência. A segunda impõe sacrifícios, ansiedades, vaidades, idas e vindas, encenações..., a primeira é plenitude, virtude, encantamento, percorrer o tempo sem pressa, seguir passo a passo as etapas de uma receita não prescritiva.
Não quero planos. Quero guiar-me sob o auxílio de meu inseparável cajado, com o qual toco não a rocha da ira mosaica, mas as águas amargas do deserto; as águas de Mara, que antecipam doze fontes de águas vivas.
Não quero planos. Quero a paciência de um Moisés ancião, cujas forças se renovam na esperança, poeticamente traduzida nos quarenta anos de travessia desértica.
Não quero planos. Eu quero a vida que pulsa no perdão redentor de um Messias que revigora a esperança do ladrão em seu derradeiro momento de existência.
Não quero planos. Anseio por me tornar pescador, sem conhecimento prévio do ofício, apenas um humilde aprendiz que tece, lava e lança sua rede ao mar.
Eu quero é vida! Sim. Aquela que se confunde com a fome de viver calmamente, sem as pressões das disputas, patrocinadora de um caminho novo, cheio de paz.
Eu quero é vida!
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