quinta-feira, 31 de julho de 2008

Divina câmara clara


O universo ilimitado de possibilidades para realizações humanas nos faz enxergar que essa inesgotável fonte criativa manifesta-se numa infinitude surpreendente, levando-nos a questionar se as tais "incapacidades físicas" não seriam um projeto especialmente desafiador de Deus para os seus portadores.
Após assistir um vídeo na internet, no qual o genial Stevie Wonder interpretava "Falling in love with Jesus" - hino do cancioneiro gospel americano -, algo começou a incomodar-me; pois a transcendência de sua qualidade artística eleva-o para além do virtuosismo músical, e instila em minha alma a fé de que o convívio nas trevas da cegueira carnal o capacitou, de algum modo, a pintar sua eterna noite com cores cintilantes.
Sem dúvida que a pulsão poética que está para além da palavra, a qual creio firmemente habitar em cada ser humano, afirmaria que a música está dentro de todos nós; portanto, inventar e recriar melodias é uma tarefa que todos, de certa forma, exercemos ao longo da vida. Porém, o Stevie sempre me passa a sensação de que seu canto angelical é a mais perfeita tradução de como uma alma exulta por poder romper as cadeias do que a humanidade resolveu denominar deficiência.
Sempre tive a convicção de que as pessoas estigmatizadas por alguma restrição física são as mais propensas para explorar a criatividade, e essa percepção resulta do fato de que elas, no fundo, não são portadoras de "necessidades especiais" ou características "incapacitantes", mas detentoras de uma maneira muito especial de lidar com sua subjetividade.
Nesse contexto, talvez a palavra especial verdadeiramente dê um melhor foco à perspectiva pela qual observo a questão, e, nesse sentido, me deixo guiar pelo pressuposto de que a perda de uma faculdade permite apurar tantas outras, o que nos leva inferir que a criatividade deve ser compreendida como a forma de inteligência caracterizada pela capacidade de adaptar, redefinir, tocar, ou simplesmente olhar, de uma maneira toda inovadora, tudo que nos circunda.
Por esse motivo, agradeço a Deus - e a quem mais poderia? - por guiar, com tanto carinho, nas inúmeras trevas da existência, aqueles que não se deixam limitar pela poda de nossos preconceitos, pois com um registro todo especial Ele fotografou cada um deles e guardou-os em seu memorial, no qual nem o volume dos fios de seus cabelos escapa; e, nesse registro, a generosa abertura do diafrágma em Sua câmara clara, lhes permite enxergar com olhos de águia; no obturador dela, Ele fez repousar uma velocidade que só não excede à da própria luz, que penetra-lhes o espírito, revelando, de infinitas maneiras, o quanto Sua criatividade faz de todos nós, a despeito de qualquer diferença, "a sua imagem e semelhança".
Glorificado seja o Teu nome para todo o sempre, Senhor Jesus Cristo!