sexta-feira, 8 de maio de 2009

Ensaio sobre o medo


Rendição e luta são as alternativas propostas pelo medo, companheiro implacável, incansável combatente daquela região sonhadora de nossa alma, na qual, a porta de entrada, invariavelmente, mostrar-se-á a de saída, a via perigosíssima, um atalho para o escape, o desejo de desistência, um fugaz desânimo, que logo se converte em perseverança.
Parece absurdo, mas, quando concebo o medo como um pólo imprescindível que se contrapõe e equilibra o ímpeto excessivo, a vontade desmedida e incapaz de ponderar, só consigo enxergá-lo como aquilo que dá sentido aos louros da conquista; o ingrediente essencial; o orvalho da manhã que, ao volatizar-se pelo calor do sol, se recomporá sob a forma de chuva, regando os vastos campos de nossa alma inquieta.
Na infância, a imagem do medo a povoar minha mente sempre foi a de um cavaleiro sombrio da idade média, que trás sobre si uma pesada armadura, nas mãos um escudo e uma longa e não menos pesada lança, onde o mesmo sempre irrompe em minha direção determinado a golpear-me mortalmente.
Essa alogoria, gerada pelo meu inconsciente, me provocou hoje o insight de que o tenebroso cavaleiro só se apresenta para a batalha protegido e armado, e não me refiro apenas ao escudo e dardo, mas, sobretudo, ao capacete. Esse, além de protegê-lo, esconde sua face dupla: uma que o mascara e compele sempre adiante, agressivo, altivo e aterredor; a outra, sempre oculta, encastelada num frio metal.
A relação que o medo nos impõe, portanto, é sempre tensa, violenta; tal qual um atacante feroz, o medonho cavaleiro se atira sobre nós, obrigando-nos a optar por uma, dentre duas alternativas: o recuo ou o combate.
Assim, encarar o medo não é tarefa fácil, pois ele está dentro de nós. Um inimigo externo enxergaríamos com clareza; o medo nos faz vacilar, duvidar, acomodar as coisas, reconhecer que baixar as armas será sempre a melhor saída. Mas, o que não sabemos, é que a vitória sobre o medo requer coragem não para enfrentarmos um adversário exterior, mas aquele que se origina no interior de nossos mais encantadores sonhos. E esta é a razão pela qual o medo salta em galopes estonteantes para intimidar, acuando-nos, sobretudo quando estamos tão próximos do êxito. Ele sabe que o sonho é sempre um convite para a comunhão, dividir a sensação de realização mesmo antes de se concretizar. O Raul dizia que "Sonho que se sonha junto é realidade". Sonhar junto é a essência do "maluco beleza", aquele que, serenamente, arrisca-se na peleja contra o medo em nome de seus sonhos. Ao contrário do medo (franco-atirador), o sonhador não se oculta, desnuda-se para galvanizar-se na esperança; não ataca, defende-se das setas de seu oponente para contra golpeá-lo com otimismo; não se insufla de arrogância, mas abriga-se sob o teto da humildade, convocando a todos para tomar carona em seu coração sonhador.
A impetuosa manifestação do medo, então, esconde um segredo, encobre uma verdade, para a qual, quase sempre estamos despreparados a encarar: enxergá-lo como uma ferramenta a nosso favor. Antes de qualquer conquista, ele se afigura terrível, nos faz sentir ansiedade, complexo de inferioridade, o mais órfão de todos os seres; com a vitória, a ansiedade cede lugar ao alívio; o complexo, ao mais alto grau de auto-confiança; a solidão, ao refrigério pelo reconhecimento.
Eis o segredo encoberto. A máscara foi destroçada ante a verdade e poder do sonho que anima e enche de cores luminosas o campo de batalha de onde nasce este inimigo e inseparável companheiro medo.