quarta-feira, 29 de abril de 2009
A beleza da mudança
Queridos amigos, a mudança produz a ampliação do olhar que não apenas capta o que lhe é imediatamente aprazível, mas do que apreende a beleza sútil, espantosa, encantadora e que renova a existência ao encher-nos de possibilidades novas, novos riscos, livrando-nos do aprisco do medo e da mediocridade.
Certamente, em algum momento de nossa existência, sentimos a brisa leve e ao mesmo tempo impetuosa do desejo de mudança. Mudar de emprego, profissão, residência, enfim, simplesmente mudar. Esta é uma pulsão presente em todos nós, até para os que afirmam estar plenamente satisfeitos com a vida que levam. A necessidade de semear novidades no jardim de nosso palco existencial não implica necessariamente estar cansado da vida que se leva, mas, permitir-se acossar pela necessidade ínsita a todo o ser humano de colher os frutos de novas e renovadoras sementes.
A figura do jardineiro se mostra deveras oportuna para ajudar-nos a entender o quão extraordinário pode ser enfrentar o processo de mudança. Aquele em geral acorda cedo, e se esmera no trato com a terra; literalmente põe a 'mão na massa', pois, prepará-la para o plantio não admite reservas; é preciso tocá-la com o vigor de quem prepara uma massa de pão e a habilidade de um oleiro, porquanto, se o primeiro produz comida, o segundo, tal qual o jardineiro, nos oferta a beleza. Desse modo, é possível enxergarmos beleza em toda mudança. O belo nos dá prazer, inquieta, surpreende, às vezes até nos desconcerta. Como que à espera de uma chuva torrencial a alma anseia pelo belo. É um jardim a aguardar a substância essêncial que lhe dará vida, beleza, prazer.
A mudança é a companheira do jardineiro, já que seu ofício é dar à natureza condições para seguir seu curso, ou seja, mobilizar permanentemente os elementos na criação e recriação de belas flores, num ciclo inesgotável. Assim também os jardins de nossa alma podem produzir belíssimas flores, num processo infindável, em que o olhar, ao lançar as sementes do porvir, o faz por ter sido antes cativado pela beleza nascida da esperança.
Portanto, apostemos na mudança. Não a que encarcera a nossa coragem, mas a que nos liberta do casulo do medo; não a que entorpece os nossos sentidos, mas a que nos faz despertos; não a que retira sensibilidade do olhar, mas a que nos faz enxergar o belo na mais densa escuridão.
Mudança já!
quarta-feira, 8 de abril de 2009
A farra do boi
A violência na cidade de Salvador constitui o tema favorito de emissoras locais que a exploram ostensivamente a partir da espetacularização dos infelizes, tornados protagonistas num circo dos horrores cuja legitimação é concedida pela própria sociedade baiana.
Inegavelmente, violência rima com audiência, e essa máxima tem se expressado num alarmante exemplo de deserviço jornalístico prestado por indivíduos supostamente carismáticos, portadores de um discurso inflamado contra as mazelas sociais e que se intutulam porta-vozes do povo, representantes de uma espécie de jornalismo às avessas que contraria qualquer noção ou prescrição ética, visto que se orientam a partir da ridicularização dos eleitos "inimigos da ordem pública" - geralmente jovens negros e pobres oriundos das periferias soteropolitanas.
É impressionante constatar o conteúdo racista e discriminatório presente na fala dos atores dessa ala da comunicação baiana, e tal constatação pode ser feita por qualquer pessoa minimamente inteligente, sobretudo em razão da indignidade com que tais programas se comportaram no carnaval de 2009. Durante a folia momesca, em flagrante acordo com o governo do Estado, venderam a imagem de um carvaval de paz, tributaram ao mesmo Poder público que, com disfaçatez costumam criticar, os mais acalorados elogios; à polícia militar, renderam mil congratulações, mas não é de se estranhar, pois, parece haver dois Poderes vigentes: um durante e outro após o carnaval. A polícia, "responsável pela limpeza" (entenda-se extermínio de jovens pretos e pobres no pós-carnaval), não mediu esforços para salvaguardar a integridade física dos turistas - inclusive dos que aqui desembarcam para a prática do turismo sexual pedófilo. Os policiais militares, bem como os civis, cumpriram condignamente o seu papel, e, num fiel retrato de suas respectivas competências, superlotaram unidades de detenção com uma enorme massa de jovens igualmente pretos e pobres - homens e mulheres.
Nada de novo em nosso "Haiti".
E a tal imprensa do espetáculo, marcando presença na cobertura, embalada por Dalila e cheia de Kuduro, distribuia bajulação aos artistas - figurinhas carimbadas, fabricadas pela indústria dantesca de um carnaval que discrimina e exclui o povo de sua própria terra. Porém, a maior violência no carnaval 2009 seria perpetrada exatamente pelo pseudo-jornalismo, e, num desses horrendos programas, foi veiculada uma matéria - ou chamem do que quiserem -, onde aproximadamente trinta jovens (pretos e pobres) eram covardemente escarnecidos por um repórter, todos detidos por estarem supostamente envolvidos em brigas. Havia um, acusado de ter furtado a corrente de um turista estrangeiro, cuja humilhação me fez lembrar as caçadas empreendidas pelos capitães do mato, em geral também negros a serviço da classe hegemônica que, ao ser confrontado pelo turista - acima de qualquer suspeita e que não pronunciava uma palavra sequer em português -, clamava inocência, quando o então apresentador da tevê record mandava repetir um milhão de vezes seu clamor patético, tendo ao fundo uma música ridícula, onde o mesmo repetia: "olha a cara dele!" Essa frase, se bem analisada, reproduz os velhos estereótipos que os faz acreditar que a presunção de inocência não é compatível com a fisionomia de um preto, me levando afirmar que o poeta, se aqui estivesse, exclamaria: "Senhor Deus dos desgraçados, quanto horror perante os céus!"
Diante desse brutal cenário - perplexo pela inércia dos modorrentos agentes sociais que mais parecem estar tomados por uma espécie de embriaguez dionisíaca, incapazes de dedicarem um mísero tempo de questionamento a esta "farra do boi" -, não consigo enxergar senão a marca do velho darwinismo social do século XIX, consubstanciado na atual 'indústria da desinformação' baiana. Essa tem protagonizado o papel de difusora de um projeto racista secular, baseado na tentativa de animalisar o negro, suprimir sua dignidade atráves de estígmas que outrora buscou fundamentação na ciência biológica. Assim, após a morte de Darwin, consolidou-se uma corrente científica seduzida por sua teoria da evolução por seleção natural (darwinismo social), a qual postulou a idéia de que, analogamente aos princípios seletivos presentes nas interações biológicas, a vida social subordinava-se a tais processos; ou seja: o surgimento de características positivas nas espécies, propiciando-lhes adaptação adequada ao meio, tendiam a prevalecer, superando-se uma etapa num lento e complexo ciclo evolutivo que culminaria no aparecimento de uma nova espécie, mais apta; do mesmo modo, pressupunha-se que a evolução por seleção natural aplicava-se à vida em sociedade e, por inferência, brancos corresponderiam a uma etapa superior no ciclo evolutivo, e negros a uma categoria que só diferiria dos animais em razão da capacidade da fala.
Nesse sentido, pensar criticamente sobre esses espaços midiáticos constitui-se a pedra de toque para enxergarmos que os mesmos ampliam terrivelmente a vulnerabilidade de nossa comunidade negra, pois, se no passado o darwinismo social estendeu-se para a concepção eugênica (convicção na "pureza da raça branca" presente no discurso nazista na alemanha, Ku klux klan nos EUA, Africa do Sul e tantos outros onde a imprensa atuou como instrumento de legitimação), esta atual e caricata ala da imprensa baiana engaja-se no firme propósito de demonstrar uma espécie de "impureza" dos negros, materializado na singular expressão "pombo sujo".
Nessa perspectiva, a sombria lembrança de Cesare Lombrozzo é inevitável, pois esse italiano contribuiu decisivamente para o alargamento da ideologia racista no século XIX atráves de sua visão criminológica baseada na idéia do "criminoso nato". Nesse contexto, vale ressaltar que o mesmo viria influenciar fortemente o baiano Nina Rodrigues (lembrança igualmente sombria e referência máxima na medicina legal do Brasil) que, por meio de seus exames antopométricos - medidas de crânios de cadáveres de homens negros -, afirmaria que estes possuiam um significativo grau de inferioridade na escala humana, e, portanto, fortemente vocacionados ao crime.
Nessa direção, portanto, é claramente perceptível de que matriz resulta esta vergonhosa violência da imprensa baiana, tomada como referencial sombólico-discursivo que entorpece a sociedade como um todo, onde as mensagens ocultas contidas não apenas nas imagens dos corpos dos jovens negros violentamente assassinados como nos bordões "você tambem pode estar na mira" e "passa o rodo", concorrem para a legitimação da violência e do discurso racista na Bahia.
Inegavelmente, violência rima com audiência, e essa máxima tem se expressado num alarmante exemplo de deserviço jornalístico prestado por indivíduos supostamente carismáticos, portadores de um discurso inflamado contra as mazelas sociais e que se intutulam porta-vozes do povo, representantes de uma espécie de jornalismo às avessas que contraria qualquer noção ou prescrição ética, visto que se orientam a partir da ridicularização dos eleitos "inimigos da ordem pública" - geralmente jovens negros e pobres oriundos das periferias soteropolitanas.
É impressionante constatar o conteúdo racista e discriminatório presente na fala dos atores dessa ala da comunicação baiana, e tal constatação pode ser feita por qualquer pessoa minimamente inteligente, sobretudo em razão da indignidade com que tais programas se comportaram no carnaval de 2009. Durante a folia momesca, em flagrante acordo com o governo do Estado, venderam a imagem de um carvaval de paz, tributaram ao mesmo Poder público que, com disfaçatez costumam criticar, os mais acalorados elogios; à polícia militar, renderam mil congratulações, mas não é de se estranhar, pois, parece haver dois Poderes vigentes: um durante e outro após o carnaval. A polícia, "responsável pela limpeza" (entenda-se extermínio de jovens pretos e pobres no pós-carnaval), não mediu esforços para salvaguardar a integridade física dos turistas - inclusive dos que aqui desembarcam para a prática do turismo sexual pedófilo. Os policiais militares, bem como os civis, cumpriram condignamente o seu papel, e, num fiel retrato de suas respectivas competências, superlotaram unidades de detenção com uma enorme massa de jovens igualmente pretos e pobres - homens e mulheres.
Nada de novo em nosso "Haiti".
E a tal imprensa do espetáculo, marcando presença na cobertura, embalada por Dalila e cheia de Kuduro, distribuia bajulação aos artistas - figurinhas carimbadas, fabricadas pela indústria dantesca de um carnaval que discrimina e exclui o povo de sua própria terra. Porém, a maior violência no carnaval 2009 seria perpetrada exatamente pelo pseudo-jornalismo, e, num desses horrendos programas, foi veiculada uma matéria - ou chamem do que quiserem -, onde aproximadamente trinta jovens (pretos e pobres) eram covardemente escarnecidos por um repórter, todos detidos por estarem supostamente envolvidos em brigas. Havia um, acusado de ter furtado a corrente de um turista estrangeiro, cuja humilhação me fez lembrar as caçadas empreendidas pelos capitães do mato, em geral também negros a serviço da classe hegemônica que, ao ser confrontado pelo turista - acima de qualquer suspeita e que não pronunciava uma palavra sequer em português -, clamava inocência, quando o então apresentador da tevê record mandava repetir um milhão de vezes seu clamor patético, tendo ao fundo uma música ridícula, onde o mesmo repetia: "olha a cara dele!" Essa frase, se bem analisada, reproduz os velhos estereótipos que os faz acreditar que a presunção de inocência não é compatível com a fisionomia de um preto, me levando afirmar que o poeta, se aqui estivesse, exclamaria: "Senhor Deus dos desgraçados, quanto horror perante os céus!"
Diante desse brutal cenário - perplexo pela inércia dos modorrentos agentes sociais que mais parecem estar tomados por uma espécie de embriaguez dionisíaca, incapazes de dedicarem um mísero tempo de questionamento a esta "farra do boi" -, não consigo enxergar senão a marca do velho darwinismo social do século XIX, consubstanciado na atual 'indústria da desinformação' baiana. Essa tem protagonizado o papel de difusora de um projeto racista secular, baseado na tentativa de animalisar o negro, suprimir sua dignidade atráves de estígmas que outrora buscou fundamentação na ciência biológica. Assim, após a morte de Darwin, consolidou-se uma corrente científica seduzida por sua teoria da evolução por seleção natural (darwinismo social), a qual postulou a idéia de que, analogamente aos princípios seletivos presentes nas interações biológicas, a vida social subordinava-se a tais processos; ou seja: o surgimento de características positivas nas espécies, propiciando-lhes adaptação adequada ao meio, tendiam a prevalecer, superando-se uma etapa num lento e complexo ciclo evolutivo que culminaria no aparecimento de uma nova espécie, mais apta; do mesmo modo, pressupunha-se que a evolução por seleção natural aplicava-se à vida em sociedade e, por inferência, brancos corresponderiam a uma etapa superior no ciclo evolutivo, e negros a uma categoria que só diferiria dos animais em razão da capacidade da fala.
Nesse sentido, pensar criticamente sobre esses espaços midiáticos constitui-se a pedra de toque para enxergarmos que os mesmos ampliam terrivelmente a vulnerabilidade de nossa comunidade negra, pois, se no passado o darwinismo social estendeu-se para a concepção eugênica (convicção na "pureza da raça branca" presente no discurso nazista na alemanha, Ku klux klan nos EUA, Africa do Sul e tantos outros onde a imprensa atuou como instrumento de legitimação), esta atual e caricata ala da imprensa baiana engaja-se no firme propósito de demonstrar uma espécie de "impureza" dos negros, materializado na singular expressão "pombo sujo".
Nessa perspectiva, a sombria lembrança de Cesare Lombrozzo é inevitável, pois esse italiano contribuiu decisivamente para o alargamento da ideologia racista no século XIX atráves de sua visão criminológica baseada na idéia do "criminoso nato". Nesse contexto, vale ressaltar que o mesmo viria influenciar fortemente o baiano Nina Rodrigues (lembrança igualmente sombria e referência máxima na medicina legal do Brasil) que, por meio de seus exames antopométricos - medidas de crânios de cadáveres de homens negros -, afirmaria que estes possuiam um significativo grau de inferioridade na escala humana, e, portanto, fortemente vocacionados ao crime.
Nessa direção, portanto, é claramente perceptível de que matriz resulta esta vergonhosa violência da imprensa baiana, tomada como referencial sombólico-discursivo que entorpece a sociedade como um todo, onde as mensagens ocultas contidas não apenas nas imagens dos corpos dos jovens negros violentamente assassinados como nos bordões "você tambem pode estar na mira" e "passa o rodo", concorrem para a legitimação da violência e do discurso racista na Bahia.
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