domingo, 31 de agosto de 2008

Manipulação moderna e o pensar autônomo




A modernidade inaugurou uma inesgotável fonte de possibilidades ao homem, e este mergulha , buscando consumir, em velocidade cada vez mais surpreendente, as fabricações neoliberais que tanto encarceram a individualidade e roubam a autonomia intelectual.
Desde sua concepção, o programa capitalista apontava para a constituição de uma sociedade ocidental baseada em uma absoluta coesão, num formato autoritário e manipulador incapaz de aceitar a diversidade. O pensamento burguês concebeu as bases para um modelo social no qual o indivíduo não poderia se pertencer, mas apenas atuar, sob a batuta da divisão social do trabalho, como peça que se incorpora à engrenagem do paradigma vigente. A modernidade afirmou tais pressupostos em nome de uma sociedade harmônica, cujos reflexos nos alcança em todas as dimensões da vida: no cartesiano sistema educacional, nas artes, música, mídia, enfim, na totalidade dos segmentos. Desse modo, busca-se rechaçar qualquer manifestação de idéias que não se enquadrem no roteiro do mercado, para o qual, somos fantoches guiados ao sabor das conveniências.
Nessa perspectiva, o modelo de educação vigente dilui a afirmação do indivíduo como construtor de idéias, pervertendo o sentido original do educar, qual seja humanizar para a cidadania, à medida que estigmatiza os indivíduos ao gerar um cisma educacional que os divide em uma minoria "capaz" e uma ampla maioria de "incapazes" e/ou "ruins"; as manifestações artísticas não raro vêem-se forçadas a não apenas cumprir seu papel de intérpretes da realidade, mas servir de instrumento ao doentio apelo comercial, no qual o mercado protagoniza a cena artística ao ditar os "modismos", em outras palavras, o que deve ser consumido. Embora a criatividade musical tão peculiar ao Brasil nos coteje com uma infinidade de gêneros, o que representa uma salutar convivência com o diverso, é de estranhar que pouquíssimas tendências predominem neste cenário, revelando, de acordo com o compositor Arnaldo Antunes, a necessidade de questionarmos os conteúdos massificantes impostos a partir do que significa nossa real necessidade ao perguntar "você tem fome de quê?"
Porém, a indústria não está preocupada em realizar nenhum processo de escuta, pois, ao capital, apenas interessa atuar sob a concepção de que as massas não passam de bestas-feras ávidas pelo novo, que se torna obsoleto ao cabo de poucos dias, e, nessa direção, a manipulação midiática desempenha um papel preponderante ao plano de captura do mercado, uma vez que impõe sua seletividade, caracterizada pelo critério puramente mercadológico, no qual a mediocridade é seu parâmetro.
No entanto, a dinâmica das relações sociais aponta alternativas que corroboram a percepção de que "o novo sempre vem", embora, na maioria das vezes, marcado por traumas. Assim foi com o processo de redemocratização que várias nações experimentaram no século vinte, para o qual, a inércia deu lugar ao dinamismo da mobilização política que relativizou regimes autoritários.
Diante disso, ao homem moderno se impõe o desafio de reinventar-se, de expandir-se, libertando-se dos violentos apelos midiáticos, os quais se orientam sob o propósito de fabricar consumidores homogêneos, tais como peças que se originam nos departamentos de produção das indústrias. Para tanto, vale a pena apostarmos na diversidade como promotora de uma estética comportamental que rompa com o implacável esquema de manipulação e vigilância a que estamos submetidos, exigindo do homem coragem para questionar a agenda moderna, que se traduz na ditadura do consumo dos dias festivos, nos enlatados programas televisivos, previsíveis pacotes artísticos, bem como no imperativo padrão da estética corporal - elementos comprometidos em suprimir qualquer proposta de originalidade.
Resta-nos, portanto, adotarmos uma dose de hostilidade aos mecanismos sociais alienantes, cujo discurso nega sistematicamente a possibilidade do homem agir e pensar sob critérios mais subjetivos, criando indivíduos cada vez mais iguais e insensíveis ao tirânico poder da manipulação dos tempos modernos.




















terça-feira, 5 de agosto de 2008

Big Brother: um olhar fulgurante








Queridos amigos, a semana passada a cidade do São Salvador da Bahia foi palco de mais um debate eleitoral, transmitido por uma emissora de TV, no qual os candidatos a prefeito reafirmaram a democracia como instrumento construtor dos nossos mais sublimes sonhos, docemente cultivados pela retórica e habilidade argumentativa, embora o fato mais marcante desse exercício democrático não tenha sido as tradicionais promessas, e sim, o "Big brother."
Imagino que neste exato momento você está começando a entrar num estado de perplexidade, já que é difícil imaginar um ponto de contato entre o consagrado programa global e um evento de discussão política; porém, há mais mistérios entre o Ryalith Show e as bravatas eleitoreiras do que sonha nosso vão pensamento, e tal constatação surgiu de uma curiosa proposta do candidato ACM Neto, o qual visa coibir a violência na primeira capital do Atlântico Sul a partir da instalação de câmeras de vídeo, cuja implantação se estenderia para toda a cidade. O interessante é que este 'olhar' permanente - estratégia oriunda da sociedade contemporânea do controle e da vigilância, descrita há muito por Michel Foucalt -, foi defendida pelo candidato Neto como um componente inovador no combate ao crime. Sua não menos inovadora forma de nomear o projeto (Big brother), revela que sua assesoria busca, no mínimo, acompanhar o diapasão dos fenômenos midiáticos, pois se o "Big Brother" da TV globo possui como principal característica o acesso de enorme parte da população nacional à intimidade das "celebridades instantâneas", o escopo de sua proposta reside no monitoramento das ruas, em que o Estado coloca-se em situação de vigília sobre os indivíduos, prometendo levar para o "paredão" os transgressores.
O candidato não mediu esforços para tentar demonstrar que seu diferencial em relação aos demais era a juventude, com a afirmação constante de que possuia o "brilho nos olhos", marca, segundo ele, fundamental para conduzir Salvador a uma nova era, a um momento de ruptura com práticas políticas que não mais se alinham com a emergência dos novos tempos. Porém, é difícil acreditar em novos tempos - pelo menos em matéria de política -, uma vez que a grande maioria das tentativas de inaugurar novas rotas para o exercício político no Brasil invariavelmente se frustram, pela necessidade das tais alianças que objetivam garantir governabilidade, bem como o gosto pelo poder, o qual parece exercer sobre os que lidam com a coisa pública um fascínio semelhante ao de uma criancinha em relação a um doce.
Certamente que promessas para adoção de medidas impactantes na área da segurança pública devem pautar-se numa visão descentralizada da administração municipal, pois imaginar o governo estadual como agente isolado no processo de realização da paz social é, no mínimo, um equívoco. Sob esse ângulo, a idéia de espalhar câmeras pela cidade de Salvador não parece ruim, porém, o tema começa a se problematizar à medida que a estrutura logística necessária seria de proporções gigantescas, sobretudo, em razão de tratar-se de uma das maiores metrópoles do país, cujo investimento distoa da emergente prioridade que deve-se assumir em relação à educação e saúde, por exemplo. Não obstante, ele evadiu da explicação de como o município construiria tamanha infra-estrutura, preferindo recorrer ao tal brilho no olhar, o qual, segundo pode-se inferir, corresponderia a um traço fundamental que deve caracterizar o perfil do novo gestor da cidade soteropolitana.
Após o término do entediante debate, percebi que não se tratava de mais um, e sim, daquele que pode vir a transformar-se num referencial de como as soluções para os problemas públicos dependem do fulgor no olhar do que rege ou propõe-se administrar a máquina pública, pois, segundo a teatral atuação do supostamente fulgurante candidato, a qual, mais parecia uma paródia do personagem "jovem", de Chico Anísio, é preciso superar a reacionária atitude dos que tentam por freios ao audaz espírito da juventude, onde, querido leitor(a), mantive a expectativa permanente de que a qualquer momento ele repetiria o falacioso bordão: "Pô, eu sou jovem! Jovem é outra coisa, jovem é outro papo..."
Conquanto tenha visto frustrada a minha expectativa, debrucei-me a pensar a questão da vigilância através de câmeras, não apenas sob a noção de que o delírio presente nos discursos políticos são capazes de tecer as mais inusitadas peças, mas, também, compreendendo como os fenômenos da mídia repercutem de tal modo, que nem as disputas eleitorais deixam escapar a oportunidade para apropriar-se deles a fim de consubstanciar suas falácias.
Não desejo, querido amigo(a), que construa uma imagem distorcida de minha pessoa, pois também sou ainda jovem, mas devo confessar-lhe que uma dose de neurastenia às vezes se faz necessária para contrapor essas pulsões que nascem da vaidade e sede de conquistar a qualquer custo. Reconheço o valor das idéias e ações que tenham por objetivo compartilhar com as diferentes esferas estatais o compromisso de combate ao crime, mas, - à semelhança mítica - fazer da discussão sobre segurança uma oportunidade para manifestações explícitas de narcisismo é por demais cômico.
Entretanto, esse 'Narciso' às avessas, não propõe-se a contemplar apenas a sua própria imagem, mas, também, a do 'povo brother', na qual a câmera representa sua presença - ainda que virtual - nos espaços públicos, buscando garantir seu cintilante e ao mesmo tempo frio e distante olhar.
Maurício Alves.